Como disse Saramago, nada é para sempre, dizemos; mas há momentos que parecem ficar suspensos, pairando sobre o fluir inexorável do tempo. Por eles, me propus a ter alguns velhos Opalas e Caravans guardados, mais pela sensação de tê-los disponíveis simplesmente do que para andar ou por uma vaidade qualquer. Um elo com parte de minha identidade, da mais pueril, uma vontade e amor que em não tem a ver necessariamente com o objeto em si. Quando estou com algum deles, não dou conta da vida e num riso de criança o qual ninguém decifrará, em um passe de mágica meus hipotéticos crimes se suprimem em panaceia inexplicável. Alguém já disse que não paramos de brincar porque envelhecemos, mas que envelhecemos porque paramos de brincar, então, mesmo que não me dê, tomo teu perdão por essa faceta.
Às vezes tiro os panos de algum deles e dou uma volta. É certo alguns olhares: de crianças curiosas, por que são bonitos, coloridos e diferentes, e abordagens de adolescentes que os tem como mito, de adultos com boas lembranças. Com eles se faz muitas boas amizades, uma das coisas boas disso. Mulheres nem tanto. Mas isso até acaba nem importando tanto.
Funcional no seu tempo, desde como servidor público a símbolo de status, um projeto sessentista que até hoje impressiona pelas suas ainda qualidades. E quando volto aos modernos, sempre me lembro de uma crônica do engenheiro mecânico e jornalista Marco Antônio Oliveira onde confrontava o Opala com os carros atuais, num comparativo totalmente ilógico e injusto, como ele mesmo disse, mas curioso, engraçado na pior das hipóteses.
Bom, o Opala é de uma época em que a influência em nossas escolhas pessoais era mínima, e o homem era senhor do seu destino, e, principalmente, podia escolher a velocidade em que chegaria a ele. Fora isso, além da nostalgia pura, existe aquele fator imensurável que sempre decidiu o destino de todos os automóveis já criados: a aparência.
Um Opala ou uma Caravan, baixos e largos com uma cintura pronunciada explícita e desavergonhada, curvas voluptuosas, são quase como se fossem uma jovem Sophia Loren e, por exemplo, um Audi uma Gisele Bünchen: ambas maravilhosas, mas uma com mais, digamos, substância, se é que me entendem. As rodas parecem de tamanho perfeito para o carro, a proporção de altura e comprimento é perfeita, o carro parece pedir para que passemos a mão suavemente por sua linha de cintura, para sentirmos aquilo tudo, sorvendo a beleza suavemente, sem pressa. Vá lá, poucos têm um Audi, portanto digamos que um Agile, um C3, ou qualquer moderninho mais acessível, seriam uma Geisy Arruda.
Ao lado do ancestral Opala, a maioria dos carros modernos parecem deformados, rebuscados, altos demais, meros produtos, como uma cafeteira, rodas pequenas demais. E esta relação pneu/roda/carro prova que tudo está na proporção. Para ter mais espaço interno e menos externo eles têm de ser mais altos em relação a sua “sombra ao meio dia” (largura x comprimento). Já o Opala é de uma época em que mais largo, mais comprido e mais baixo era o mantra dos designers.
Junte isso a possibilidades infinitas de preparação, a manutenção mais fácil de todos, a fácil identificação e diagnóstico de problemas, e se explica porque o Opala ainda desperta paixões descabeladas e absolutas, enquanto os moderninhos provocam, na melhor das hipóteses, simpatia; enfim, indiferença. Um dia eles serão velhinhos e juro que espero que alguém veja alguma coisa de boa neles, pois por mim, nunca existiriam.
Fala-se muito do Opala em relação a problemas ambientais em função do excesso de monóxido de carbono e enxofre que seu arcaico projeto emana, mas como um projeto feito propositalmente para ser facilmente reparado (reciclado, então), de um tempo onde a descartabilidade não fazia parte desse vocabulário, com infinitamente menos itens de plástico (de difícil absorção pela natureza), eletrônicos e agregados, no contexto geral ele acaba sendo muito mais adequado ambientalmente falando.
Ah, tudo bem, os carros modernos podem, em qualquer análise objetiva, trazer inúmeras vantagens, mas não desperta paixão e devoção alguma, nem nunca o farão, enquanto o Opala continua ser adorado em verso e prosa. Um belo dum paradoxo, que ilustra muito bem o fato de que o automóvel é muito mais do que uma simples máquina de transporte.
Um carro é mais que números, e pessoalmente eu sempre achei as mulheres dos anos 60 mais bonitas, inclusive por não serem magras como palitos… Nem sei como Sophia Loren é como pessoa, mas quem se importa?
André Jacquillat